Em outubro de 2015, a companhia americana The New York Times divulgou um documento público para expor aos olhos do mundo suas estratégias nos anos que estavam por vir. Diz um importante trecho da carta, assinada por dez executivos da empresa em 12 páginas: "nossos leitores não procuram o 'The Times' apenas por notícias e entretenimento. Eles querem algo para solucionar suas questões diárias. O jornal sempre desempenhou este significativo papel. Chegou o momento de oferecer e adicionar serviço ao universo móvel."
À época, segundo a publicação, "serviço" se aproximava a um elemento digital: o The Cooking, popular canal de receitas com guias e recomendações do jornal americano. Reproduzido em outras seis oportunidades no documento, o termo não era um ato gratuito: tratava-se de um esforço nada desprezível de ampliar sua oferta de conteúdo, acompanhado por alto interesse de amealhar novas fontes de receitas — o The New York Times é uma empresa de capital aberto e, trimestralmente, recebe pressões de investidores, ávidos por resultados.
O texto, renovado em janeiro em um novo formato, convida à reflexão a necessidade de jogar luz sobre um tema que, em tese, estava fora da pauta de discussões, mas resgatado, com precisão, durante a edição 2017 do ISOJ (The International Symposium on Online Journalism), realizado entre os dias 20 e 23 de abril, em Austin, nos Estados Unidos: Serviço é Produto. Conteúdo é Produto. E vice-versa.
Nas mesas compostas por profissionais do mercado e professores universitários, que podem ser visualizadas na íntegra aqui, três discursos fizeram uso de "Produto" como reflexão de um dos cenários promissores (e obrigatórios) da Comunicação. A primeira a dedicar seu tempo ao tema foi Cindy Royal, professora de Jornalismo Digital da Universidade do Texas — e autora de um importante relato publicado no Nieman Lab, da Universidade de Harvard, "Gestão de Produto é o novo Jornalismo". Por meio de um artigo publicado no Simpósio, Cindy cita Burt Herman, cofundador do Storify, para dar fôlego à questão: "A nova sensação nas empresas de mídia é o líder de Produto, capaz de ocupar um cargo no coração de uma companhia, unindo caminhos editoriais, comerciais e de tecnologia".
Seu objetivo é nobre: otimizar trabalho e criar valor a um negócio, hoje, desvalorizado — obter receitas alternativas e ampliar o atendimento ao maior interessado, o consumidor final.
O líder de Produto é um profissional, sobretudo, com a responsabilidade de ampliar a comunicação e encontrar soluções de diários problemas encontrados em qualquer redação; deve aprimorar fluxo de trabalho dos jornalistas oferecendo recursos e ferramentas e oferecer recursos e soluções às ideias que são concebidas editorialmente e definir quais são as métricas e quando os resultados serão acompanhados. Seu objetivo é nobre: otimizar trabalho e criar valor a um negócio, hoje, desvalorizado — obter receitas alternativas e ampliar o atendimento ao maior interessado, o consumidor final. O Waze, serviço em que as condições de trânsito são medidas por seus súditos usuários, é um exemplo do que poderia ser feito — e não foi.
Criado em 2008 por Uri Levine, Ehud Shabtai e Amir Shinari, três empreendedores israelenses (e adquirido em 2013 pelo Google por 1 bilhão de dólares), a ferramenta é a evolução de um trabalho jornalístico — principalmente de TV. Imagine quantas reportagens poderiam ser produzidas a partir dos dados ali distribuídos, só ainda não estruturados? É possível determinar os horários com maior congestionamento, as ruas com o maior número de contribuições — e acrescer por meio de cruzamento de dados, por exemplo, os locais com o maior índice de homicídios, informando ao usuário que a alternativa sugerida pode ser, por exemplo, perigosa. O conteúdo, ainda às vezes baseado em texto ou em vídeo, poderia ser repaginado se um ecossistema de inovação fosse incorporado à redação.
Para ampliar voz ao assunto, Melissa Bell, cofundadora da Vox Media, foi a segunda protagonista a subir ao palco para resgatar a importância de Produto ao Jornalismo. Ex-diretora do The Washington Post, Melissa resgata a necessidade de trabalhar em um projeto que tenha vida útil maior do que uma produção de apuração intensa e que se desmancha no ar das turvas águas da navegação assim que se perde o destaque em páginas de propriedade do veículo e plataformas de redes sociais. Diz Melissa: "Notícia é produto. Você nunca desenvolve algo para se colocar em uma prateleira. É um trabalho que nunca tem fim. Precisamos questionar o que e como queremos entregar. Onde está o buraco no mercado?"
O coro foi reforçado por Neil Chase, editor-executivo do The Mercury News: “Por 17 anos consecutivos, a receita da publicação em que trabalho caiu 80%. Chegou o momento em que reuni todos os editores e reforcei o interesse que cada um dos profissionais de Jornalismo deveria ter por negócio. Era a hora de ganharem a função de gerentes de produto", afirmou corajosamente, em tom de pivotagem de sua matéria-prima.
Estes discursos resistem — muito bem — à teimosia dos fatos. Vamos a eles.
Desde que lançou sua carta ao público, o The New York Times se projeta para o que havia prometido. Em dezembro, desembolsou 30 milhões de dólares para adquirir o The Wirecutter, popular guia que recomenda os melhores produtos a serem adquiridos — e que em 2015 gerou 150 milhões de dólares em transações financeiras. Ao conquistar a inteligência do recurso, o The New York Times sabe que o modelo concebido é replicável: a nova seção Smarter Living é um dos projetos repaginados graças à aquisição. A inovação, portanto, ganhou cena em uma publicação.
O The Washington Post, ícone por suas últimas movimentações, não fica atrás: concebeu o publicador Arc que, segundo estimativas, projeta injetar 100 milhões de dólares nos cofres da publicação adquirida por Jeff Bezos, cofundador da gigante de varejo Amazon, em 2013. A publicação direciona também a seus jornalistas que pensem "produto" como notícia — caso da página que reúne uma série de reportagens relativas ao número pessoas mortas por policias em 2017.
Não são apenas jornais, sedentos por dinheiro novo, que buscam alcançar sucesso com algo já praticado no passado. Em novembro, o nativo digital BuzzFeed fez um investimento que salta aos olhos: desenvolvimento de produtos licenciados. Pouco tempo depois, lançou um laboratório de e-commerce denominado BuzzFeed Product Lab. Graças a um estudo por meio do Facebook, identificou, por exemplo, o interesse por pessoas que buscam com grande frequência presentes a serem enviados a seus amigos. Em menos de um ano, já são 12 profissionais trabalhando no núcleo, que já tem um blockbuster, um livro de receitas: entre novembro e janeiro, estima-se que já foram vendidas 100.000 obras. Fuck Shit Shop, loja virtual de itens variados — de canecas a camisetas, é um item concebido pelo Product Lab. É um dos muitos passos dados pela empresa na diversificação de modelo de negócios.
A agrura dos profissionais de Comunicação precisa ser extinta por protagonistas e companhias que operem por lógicas de experimentação rápidas e úteis ao consumidor que, se mostrarem promissoras, vão receber investimentos. A ideia é ampliar o modelo de negócio para fortalecer a investigação, manter a excelência de companhias na busca diária e eterna por relevância e qualidade e enaltecer a nítida distância de uma informação dos boatos. Oportunidades não vão faltar. O próximo passo foi dado: debate sobre o assunto, em setembro, durante o Social Media Week, em São Paulo. Os leitores, provavelmente, vão agradecer.
Fonte: YOUPIX
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